sábado, 30 de junho de 2012

Presidiário-problema


O bicheiro Carlinhos Cachoeira tem ataque de fúria 

na prisão, briga com colegas de cela e já xingou e 

cuspiu num agente penitenciário. Até sua mulher

tem enfrentado constrangimentos durante as visitas

 íntimas

Claudio Dantas Sequeira
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DESCONTROLE
Carlinhos Cachoeira foi autuado recentemente por desobediência e desacato
Quando foi preso no dia 29 de fevereiro, o bicheiro Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira, estava tranquilo. Sabia com antecedência da investigação da Polícia Federal e que sua prisão era inevitável. Também estava confiante de que bastariam alguns telefonemas para recuperar a liberdade. Mas não foi isso o que aconteceu. Passados quatro meses, o contraventor continua atrás das grades e numa situação cada vez pior. Cachoeira tem crises de pânico, sofre de insônia e crescentes ataques de fúria. Discute com colegas de cela por qualquer bobagem e chegou a xingar e cuspir num agente penitenciário. Autuado por desobediência e desacato, o bicheiro corre o risco de se tornar um prisioneiro marcado por seu mau comportamento.

Na sexta-feira 22, Cachoeira recebeu a visita de um psiquiatra, que o examinou e resolveu aumentar a dose diária de antidepressivos. Não adiantou muito. Na semana passada, ao ter outro pedido de habeas corpus negado pelo STJ, o bicheiro surtou novamente. Descontrolado, aos gritos e xingamentos, queixou-se de seus próprios advogados, o ex-ministro Márcio Thomaz Bastos e sua auxiliar Dora Cavalcanti. Quem ouviu Cachoeira avalia que a substituição da dupla é uma questão de tempo. “Ele está decepcionado, não imaginava que ficaria tanto tempo preso”, diz um funcionário da Subsecretaria do Sistema Penitenciário do DF (Sesipe). Segundo o servidor, a adaptação da maioria dos presos leva em média oito meses. No caso de Cachoeira, a ansiedade é alimentada pelo constante assédio da mídia e dos desdobramentos políticos do caso na CPI que investiga o esquema do bicheiro.

A advogada Dora Cavalcanti ressalta que o estado psicológico de Cachoeira se agravou após a libertação de outros réus do processo, como o espião Idalberto Matias de Araújo, o Dadá; o ex-diretor da Delta Claudio Abreu; o ex-vereador Wladimir Garcez; além de Lenine Araújo e o empresário José Olímpio Queiroga Neto. “As outras pessoas foram sendo soltas e a angústia dele aumentou”, afirma.

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AZEDOU
A harmonia do casal Carlinhos Cachoeira e Andressa Mendonça
já não é mais aquela demonstrada durante a CPI há um mês
Além disso, as condições carcerárias de Cachoeira pioraram ao deixar a ala federal, onde dividia com dez pessoas uma cela projetada para 24 internos. No Centro de Detenção Provisória (CPD), ele se acotovela com outros sete internos num espaço de apenas nove metros quadrados. O desconforto só é amenizado por um colchão que ele recebeu de seus advogados. Para quem estava acostumado a uma vida social intensa, boa comida e viagens, o dia a dia de privações pode ser insuportável. “Ele não está aguentando, reclama muito da comida e da falta de privacidade”, diz outro agente.

Cachoeira tem direito a três refeições por dia. No almoço e no jantar, o prato se repete: arroz, feijão, uma verdura e um tipo de carne. Quando pode, ele corre para a lanchonete do presídio, onde consegue comprar a preço de mercado frutas, salgados e refrigerantes – a entrada de comida é proibida na Papuda. Além disso, só dispõe de R$ 100 por semana, quantia máxima que um interno pode portar. A rotina inclui ainda banho de sol duas horas por dia. Pela manhã (das 9h às 11h) ou à tarde (das 13h às 15h). O bicheiro não usa uniforme de presidiário, mas é obrigado a utilizar peças brancas e em número limitado. Ele mesmo tem que lavar suas roupas, mas pode usar sabonete próprio.

De acordo com agentes penitenciários ouvidos por ISTOÉ, o temperamento de Cachoeira oscila entre a irritação e momentos de apatia. “Às vezes, ele chora à noite”, conta um funcionário. Ele diz que o bicheiro se sente abandonado pela mulher, a bela Andressa Mendonça. Não por culpa dela. O problema é que Cachoeira, como preso temporário, só tem direito a visitas quinzenais e apenas 30 minutos de privacidade no parlatório, a suíte reservada para as visitas íntimas. O encontro mais recente ocorreu na quinta-feira 28. Segundo relatos, a harmonia do casal já não é a mesma daquela demonstrada durante a CPI há cerca de um mês. Os dois teriam discutido por ciúmes e Andressa chegou a questionar se Cachoeira tem ou não curso superior, o que significaria condições melhores de alojamento. 

O diploma do curso de administração que o contraventor disse possuir é considerado suspeito pela PF. Caso consiga comprovar sua formação superior, o bicheiro poderá ser transferido para o Centro de Internação e Reinserção (CIR), uma unidade considerada mais confortável. Mas, se depender de bom comportamento, Cachoeira deve continuar a ver o sol nascer quadrado por um bom tempo.

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Fotos: BETO BARATA e DIDA SAMPAIO/AE; ANDRÉ DUSEK

Fonte: Revista ISTOÈ Online
Edição: Antonio Luis

O deputado tornozeleira


Vaga na Câmara pode ser ocupada por suplente

 que é processado por assassinato. Ele está em 

liberdade vigiada e precisa usar um acessório de

 rastreamento eletrônico

Pedro Marcondes de Moura
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RUMO AO CONGRESSO
Preso em 2011, Francisco Tenório (PMN) utiliza uma tornozeleira de monitoramento
Dizer que a Justiça segue os rastros de um integrante da Câmara dos Deputados pode deixar de ser uma mera figura de linguagem. Apontada como favorita à prefeitura do município de Arapiraca, segundo maior colégio eleitoral de Alagoas, a deputada federal Célia Rocha (PTB) tem como herdeiro natural de sua vaga um personagem controverso no meio político e policial de Alagoas: Francisco Tenório, do PMN, conhecido como Chico Tenório. Delegado de carreira, ex-deputado estadual e federal, ele usa, desde fevereiro deste ano, uma tornozeleira de monitoramento eletrônico. O acessório foi uma das imposições para que o ex-parlamentar, acusado de participação nos assassinatos de um cabo da Polícia Militar em 1996 e de um fazendeiro em 2005, deixasse a prisão após um ano para responder às denúncias em liberdade vigiada. Ele havia sido preso em fevereiro de 2011. Agora, em caso de vitória da deputada, Chico Tenório deixará a condição de primeiro suplente conseguida nas urnas em 2010 para andar de tornozeleira pelos tapetes do Congresso Nacional. 

Segundo o cientista político Ranulfo Paranhos, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), o caso envolvendo Chico Tenório não é mais considerado incomum em Alagoas. “Casos de políticos acusados de mandarem matar adversários ou desafetos, infelizmente, não chocam mais a sociedade alagoana”, lamenta o professor. “Ele foi preso, mas não é o único. Aqui há atualmente deputados estaduais, federais e prefeitos acusados desse tipo de crime que acabam protegidos pelas prerrogativas do cargo”, analisa. O próprio Chico Tenório conseguiu protelar a prisão até 2011, pois ocupava uma cadeira na Câmara Federal. Ele já havia sido deputado federal de 2006 até 2010. Essa condição lhe garantiu foro privilegiado, só permitindo que fosse julgado por instâncias superioras. 

O advogado de Francisco Tenório, Fernando Maciel, lembra que, na hipótese de um retorno do seu cliente ao Congresso, as acusações contra ele só poderiam ser julgadas pelo Supremo Tribunal Federal. “Por um lado é bom, pois seria uma decisão mais técnica sem clamor social. E em caso de condenação, porém, não teria mais para onde recorrer”, analisa o advogado, que diz acreditar na inocência do cliente. “Não existem provas contra ele. Tenório não possui nenhum envolvimento com os crimes.” Enquanto isso, de tornozeleira, Chico Tenório aguarda o seu futuro ser decidido pelo Judiciário ou pelos votos na eleição municipal de Arapiraca.

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Fonte: Revista ISTOÈ Online
Edição: Antonio Luis

sexta-feira, 29 de junho de 2012

Mil gols a qualquer preço


Para atingir a marca de Pelé, o atacante Túlio

até paga para receber a bola, joga em times da

Série C e, por incrível que pareça, consegue acertar

o fim da carreira no Botafogo

Rodrigo Cardoso
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"Aqui não é asilo!"
"Refugo!"
"Cadê a muleta?!"

Os gritos são recentes e partiram de arquibancadas Brasil afora. O alvo era um centroavante de 43 anos, 32 clubes e 993 gols no currículo. Lendo as frases acima, tem-se a impressão de que os autores se descabelavam de raiva de Túlio Humberto Pereira da Costa, para quem eram dirigidas. Mas não era bem assim. Desde que passou a peregrinar por clubes de menor expressão para atingir a marca de mil gols, Túlio Maravilha, como é conhecido calçando ou não chuteiras, carregou com ainda mais folclore sua já folclórica trajetória em busca do milésimo gol. Berros em tom de diversão – e não de protesto – viraram, então, a tônica entre os espectadores da saga daquele que um dia foi seis vezes artilheiro do Campeonato Brasileiro (somando as séries A, B e C) e vestiu a verde e amarela da Seleção.

A passagem do jogador pelo Tanabi Esporte Clube, time do interior de São Paulo, entre abril e maio deste ano, é recheada de histórias que dão graça ao esporte mais popular do País. Túlio foi apresentado na Câmara Municipal e desfilou de carro aberto pela cidade de 24 mil habitantes. Mas a fama que corre lá é de que o artilheiro não conheceu sequer o banheiro do estádio Alberto Victolo. “Ele chegava de caminhonete na hora do jogo e ia embora”, diz o radialista Cícero Brandão, 42 anos. Pelo Tanabi, Túlio fez três amistosos e dois jogos válidos pela quarta divisão do Campeonato Paulista. Passou em branco nas duas oportunidades do paulistinha. “Em um dos jogos falei o nome dele só aos 20 minutos, quando correu atrás de uma bola lançada”, afirma o radialista. Túlio ri das histórias e, descolado que só, garante que tomava banho gelado em Tanabi. “Como estou em fim de carreira, abro mão de concentração, treinamentos, enfim, desfruto de regalias que um artilheiro de 43 anos tem de ter”, afirma. Como diz o próprio presidente do Tanabi, o veterano não veio para jogar futebol. “Ele veio aqui para fazer oito gols, não para jogar, disputar campeonato”, diz Irineu Alves Ferreira Filho. Assim, Túlio fez cinco partidas – recebeu R$ 7 mil por cada uma delas – e anotou sete vezes, somente nos amistosos. 

Foi pelo Tanabi que o atacante chegou aos 993 gols. Daqui para a frente, ele irá completar a sua saga com a camisa do Botafogo do Rio de Janeiro. No mês que vem será lançado oficialmente pelo clube com o qual ele mais se identifica e pelo qual fez 159 gols, além de conquistar o título brasileiro de 1995, o projeto “Túlio a mil: sete gols de solidariedade”. Trata-se da última fase de sua busca pelo milésimo gol. O artilheiro nascido em Goiânia irá excursionar com jogadores da categoria sub-23 do time carioca até completar o 999º gol. E o milésimo está previsto para acontecer em uma partida da equipe principal, provavelmente válida pelo Campeonato Brasileiro, no estádio do Engenhão, no Rio. “Túlio devolveu a irreverência, o bom humor ao Botafogo, que eram a marca do clube nos anos 60”, diz Marcelo Guimarães, diretor de marketing da agremiação. “Estamos incumbidos de dar sete gols a ele.”
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MARATONA
O atacante nas suas andanças pelo País. Acima, no CSE, de Alagoas.
Abaixo.,treina no Canedense, de Goiás
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De fato, o Botafogo tem firmado parceria com empresas para colocar uma equipe com jogadores, médicos, preparadores físicos e treinador para excursionar com Túlio por regiões do País com alta concentração de botafoguenses. Mais: no momento, 12 produtos serão licenciados com a marca do artilheiro. É um tratamento que ele não vinha tendo quando caiu na estrada em busca de gols. Pelo Canedense (GO), teve de colocar a mão no bolso para pagar a taxa da arbitragem em um dos três amistosos feitos na agremiação. “O diretor do clube encarregado de fazer o pagamento não estava no local e tive de pagar, creio eu, R$ 350”, diz o veterano, que disputou também outras nove partidas válidas pela Série B do Campeonato Goiano. 

Em Palmeira dos Índios, cidade de 70 mil habitantes em Alagoas, Peixinho e Israel, respectivamente atacante e lateral da equipe do CSE, foram os que mais receberam agrados do veterano. “O jogador que desse um passe para o Túlio fazer gol ganhava R$ 100 em jogos do campeonato e R$ 50 em amistosos”, diz Antonio Oliveira, presidente do CSE. Túlio nega, mas conta suas investidas para os goleiros adversários. “Se você deixar eu fazer um golzinho terá uma alegria porque vai aparecer no DVD dos meus gols. Uma vez deu certo e o goleiro tomou um gol feliz da vida.” O atacante recebia um salário de R$ 30 mil no CSE de Palmeira dos Índios, para onde se transferiu em janeiro. Lá, fez 16 jogos em três meses e dez gols, sete em amistosos. 

Goleiro adversário, companheiro de time e arbitragem à parte, ninguém é mais parceiro de Túlio na busca pelo milésimo gol do que a contagem pessoal na qual ele se baseia para atingir a mesma marca conquistada por Pelé e Romário. “Muitos gols meus não constam em registros, como os feitos na Hungria (jogou pelo Ujpest, em 2002) e em pré-temporada pelo Goiás. Só que eles estão na minha memória”, diz ele. “É como em eleição: margem de erro de 2% para mais ou para menos.” Nessa arte imprecisa chamada futebol, Túlio achou uma brecha para escrever sua própria história.
“Muitos gols meus não constam em registros.
Só que eles estão na minha memória”
Túlio

Fonte: Revista ISTOÈ Online
Edição: Antonio Luis

terça-feira, 26 de junho de 2012

Coca-cola vendida no Brasil teria maiores taxas de corante cancerígeno


Valor encontrado ainda está abaixo do limite estabelecido pela Anvisa.
Substância é usada no corante caramelo, usado na bebida.


Um estudo divulgado nos Estados Unidos pelo Centro de Ciência de Interesse Público (CSPI, na sigla em inglês), nesta terça-feira (26), mostra que as latas do refrigerante Coca-cola vendidas no Brasil têm a mais alta concentração da substância 4-metil imidazol (4-MI), que, em altas quantidades, poderia levar ao câncer.
PaísQuantidade de 4-MI por 355 ml de refrigerante
Brasil267 mg
Quênia177 mg
Canadá160 mg
Emirados Árabes Unidos155 mg
México147 mg
Reino Unido145 mg
Estados Unidos (Washington)144 mg
Japão72 mg
China56 mg
 As latinhas analisadas no país apresentaram 267 mg de 4-MI por 355 ml de refrigerante. A substância é usada na fabricação do corante caramelo. Pelas normas brasileiras, estabelecidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), seu uso é permitido, “desde que o teor de 4-metil imidazol não exceda no mesmo a 200mg/kg (duzentos miligramas por quilo)”.
O valor encontrado nas latinhas brasileiras está abaixo do limite da Anvisa, mas é o mais alto entre os países analisados. O Quênia fica em segundo lugar, com 177 mg de 4-MI por 355 ml, seguido por Canadá (160 mg), Emirados Árabes Unidos (155 mg), México (147 mg), Reino Unido (145 mg), Estados Unidos (Washington - 144 mg), Japão (72 mg) e China (56 mg).
A pesquisa foi feita pelo mesmo instituto de pesquisas que, em março fez o mesmo alerta para a substância em latinhas de refrigerante encontradas na Califórnia. Depois disso, a Coca-cola alterou sua fórmula e a taxa de 4-Mi local caiu para 4 mg por 355 ml.
Em 8 de março, a Coca-Cola Brasil informou em nota que os ingredientes e as quantidades utilizados nos seus produtos “seguem rigorosamente os limites estabelecidos pela Anvisa e pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento”. No dia seguinte, em outra nota, a empresa afirmou: "O corante caramelo utilizado em nossos produtos é absolutamente seguro".
Também em março, o toxicologista Anthony Wong, diretor do Centro de Assistência Toxicológica do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (Ceatox), explicou ao G1que a substância se mostrou tóxica para ratos e camundongos na concentração de 360 mg/kg, que é pouco menos que o dobro do limite legal no Brasil.
O especialista explicou que o órgão mais exposto ao câncer nesses animais foi o pulmão. O fígado também ficou sujeito a diversas alterações, incluindo câncer. Além disso, foram registradas mudanças neurológicas, como convulsões e excitabilidade.
Fonte: G1
Edição: Antonio Luis


O novo feminismo


Como pensam as jovens ativistas que usam 

o corpo como forma de expressão, protestam 

com ousadia e irreverência, têm como bandeira

 a liberdade e a diversidade e defendem as minorias

Natália Martino e Rodrigo Cardoso
Confira, em vídeo, o depoimento de Yolanda Prado, 81 anos, uma das mais antigas feministas brasileiras:
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1911
A luta pelo direito ao voto marca a primeira onda feminista do mundo
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2012
Ativistas nuas em frente à Torre Eiffel, em Paris, pelo fim da violência sexual
Faz meio século que a brasileira deixou de padecer de uma das amarras que pontuaram a sua trajetória. Foi somente em 1962 que o Código Penal a eximiu do consentimento do chefe da casa, no caso o homem, para trabalhar fora ou viajar. Fruto do ativismo feminino, essa conquista soa absurda aos ouvidos das jovens que já nasceram sob a égide da emancipação. Com o passar do tempo, o feminismo, apontado como o mais bem-sucedido movimento social do século passado, pintou um horizonte de possibilidades às mulheres, que hoje podem ser o que quiserem e andar por onde quiserem. Mas o movimento de outrora, cuja queima dos sutiãs se tornou o episódio símbolo (leia quadro à pág. 63), segue se reinventando na pele de jovens ativistas, que agora usam o corpo para se expressar – leia-se os seios à mostra. Essas mulheres têm como bandeira a liberdade e a diversidade e se arvoram para defender o direito das minorias, tudo com um toque de ousadia e irreverência, próprios de sua faixa etária. E o topless nunca esteve tão no front das manifestações quanto agora. Exemplo disso ocorreu no início da semana passada, durante a conferência Rio+20, no Rio de Janeiro. Em uma passeata com o slogan “Mulheres contra a mercantilização de nossos corpos, nossas vidas e a natureza!”, militantes do grupo feminista Tambores de Safo, de Fortaleza, foram às ruas sem roupa da cintura para cima em um ato que contou com cinco mil participantes.

Outro exemplo desse novo feminismo, no mês passado, a Marcha das Vadias tomou ruas e avenidas de cerca de 200 cidades no mundo em países como Índia, África do Sul, Austrália, Alemanha e Brasil, tendo como tônica ativistas com seios de fora. O movimento foi criado em 2011, na cidade de Toronto, no Canadá, depois que um policial aconselhou mulheres, durante uma palestra de segurança pública, a não vestir certas roupas para não serem estupradas. “Não são apenas as boas meninas virgens que devem ser respeitadas. Essa é a novidade”, afirmou à ISTOÉ a canadense Heather Jarvis, uma das idealizadoras da marcha. “As mulheres podem ser quem elas quiserem e não devem ser julgadas e muito menos violentadas por causa de suas escolhas.”

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EXPOSIÇÃO
A paulista Sara, em um protesto no Brasil, viajou à Ucrânia
para fazer um curso com as ativistas do Femen 
Traço marcante do ideário neofeminista, a agenda que pauta essas ativistas é muito mais ampla do que as manifestações contra abusos em relação ao gênero. Elas têm se posicionado sobre modelos de desenvolvimento e questionam o capitalismo e as violações de direitos de comunidades indígenas femininas, entre outras questões. “Lutar pelos direitos em geral e não só ao que se refere às mulheres tem revitalizado o movimento feminista”, afirma a doutora em filosofia Carla Regina, da Universidade Federal Fluminense (UFF). A forma de protestar tem conferido irreverência ao movimento e tirado o ranço que o conservadorismo deu ao termo feminista. É o que pensa Margareth Rago, professora do Departamento de História da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Para ela, a caricatura feminista dos anos 70 e 80 era a de uma mulher séria, asséptica e nada erotizada. “As jovens que participam das Marchas das Vadias, por exemplo, entram com outras cores, brincam com seus corpos e questionam todas as convicções”, diz a pesquisadora na área de gênero e feminismo.
No Brasil, uma estudante de cinema de 19 anos tem se apresentado como representante da chamada nova ordem do movimento feminista. Natural de São Carlos, interior de São Paulo, Sara Winter é a primeira brasileira a fazer parte da Femen, grupo feminista ucraniano criado em 2008 que possui cerca de 400 membros espalhados pelo mundo. Essas moças, altas e loiras em sua maioria, protestam de topless por diferentes motivos. Estiveram em Belarus de peito aberto contra o preço do gás natural; em Milão (ITA) contra a ditadura da magreza e em Paris (FRA) gritando contra o ex-diretor do FMI Dominique Strauss-Kahn. Grupos feministas como o Femen revelam outra marca desse movimento: essas moças não estão sozinhas. Fazem coro com elas homossexuais, transexuais, travestis – e, inclusive, os homens. Isso ocorre porque a juventude feminina, hoje inserida no mercado de trabalho e galgando cada vez mais postos de chefia, luta pela liberdade e não contra sexo oposto. “O movimento feminista foi muito criticado em certo momento pelo fato de a mulher protestar se vitimizando. E, hoje, ninguém está apelando ao discurso de vítima ao ir à rua com o peito de fora”, afirma Carla Regina, da UFF. Na quarta-feira 20, Sara embarcou para a Ucrânia onde passará três semanas fazendo um curso com as fundadoras da Femen. Ao retornar, a estudante inicia o ativismo da Femen Brasil no País. “Os seios de fora chamam a atenção para o nosso protesto. Mas, com o tempo, as pessoas passarão a prestar atenção também no que defendemos”, diz Sara, que subiu em um dos palcos da Virada Cultural paulista para, de topless, bradar “meu corpo me pertence”, frase clássica do movimento feminista.
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DISSONANTE
Camille Paglia é contra a Marcha das Vadias:

"Não se chame de vadia a não ser que você esteja
preparada para viver e se defender como tal"
, diz ela
Mas o que dizem as precursoras do feminismo? Elas aprovam o uso do corpo como bandeira? “Eu me considero uma feminista jurássica, mas o movimento vem se renovando com outras energias. Quero aplaudi-las e não criticá-las”, afirma Schuma Schumaher, 60 anos, da ONG feminista Rede de Desenvolvimento Humano (Redeh) e uma das maiores pesquisadoras sobre a história da mulher brasileira. Com ou sem roupa cobrindo os seios, o fato é que o novo feminismo concretizou um sonho de cinco décadas atrás, quando a americana Betty Friedan (1921-2006) e a sua obra “A Mística Feminina” pautavam as discussões: ele se espraiou, foi além do ambiente acadêmico, e está em todos os cantos da sociedade. Hoje é possível encontrar articulações nas comunidades ribeirinhas e entre redes de trabalhadoras domésticas, só para citar dois exemplos. No começo do novo milênio, estimava-se em cerca de mil os grupos feministas espalhados pelo País. Atualmente esse número triplicou, de acordo com Schuma. 

A professora de estudos culturais da Universidade de São Paulo Maria Elisa Cevasco não é tão entusiasta quanto Schuma e tem dúvidas sobre a eficiência dos métodos utilizados pelas jovens feministas. “Estão usando o corpo, o vocabulário patriarcal calcado no fato de que a mulher está na vitrine, como uma estratégia. Será que assim se distanciam do discurso machista ou reforçam essa lógica da exploração sexual?”, questiona Maria Elisa. “Eu gostava mais quando as feministas queimavam o sutiã.” Já a escritora americana Camille Paglia, que se tornou dissidente e crítica do movimento feminista sob o argumento de que ele foi o responsável por fazer a mulher assumir o papel de vítima, não foge de outra polêmica ao criticar a Marcha das Vadias. “Não se chame de vadia a não ser que você esteja preparada para viver e se defender como tal”, escreveu a professora da Universidade das Artes, na Filadélfia. “Muitas garotas de classe média superprotegidas têm uma perigosa visão inocente do mundo.”

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LUTA
Militante há 40 anos, Yolanda Prado acha as atuais ativistas divertidas
Articuladas e protestando de forma organizada, as novas feministas não deixaram de lado as antigas demandas. Violência doméstica e abuso sexual, assim como liberdade sexual e reprodutiva, seguem como reivindicações primordiais. “Vejo essas manifestações de hoje, acho divertido, até estive na Marcha das Vadias, mas na essência é a mesma coisa de sempre. Nós falávamos dessas questões há 40 anos”, afirma Yolanda Prado, 81 anos, uma das mais antigas feministas brasileiras. Para Sônia Corrêa, cocoordenadora do Observatório de Sexualidade e Política, as reivindicações são as mesmas porque os problemas permanecem. Ela acredita que as últimas décadas foram marcadas por ganhos culturais, mas que ainda falta avançar muito em políticas públicas. “Nos hospitais acontecem 67% da mortalidade materna no Brasil. Isso seria perfeitamente evitável se pudéssemos contar com bons serviços no pré-natal e no parto”, diz. “Além disso, muitos dos avanços não vieram do Legislativo e do Executivo, como deveriam. O direito ao aborto de anencéfalos foi uma decisão do Judiciário, não é assim que tem que ser.” 

A questão do direito ao aborto, outra reclamação de outrora, é um dos pontos nos quais o movimento feminista mais encontra resistência. O documento aprovado na semana passada pelos chefes de Estado na Rio+20 não continha o termo “direitos reprodutivos”, cunhado na IV Conferência Internacional de População e Desenvolvimento (ICPD), realizada no Cairo em 1994. “Há quase duas décadas, esses direitos têm sido reafirmados nos documentos das Nações Unidas e, agora, foi retirado dessa Carta graças às pressões do Vaticano. O texto é frustrante”, avalia Sônia Corrêa, que foi uma das dezenas de ativistas presentes no Território Global das Mulheres da Cúpula dos Povos durante o evento no Rio de Janeiro. A ofensiva conservadora para evitar a permissão do aborto extrapola as fronteiras brasileiras. “Essa reação fundamentalista às conquistas da mulher tem ganhado força em toda a América Latina. Na América Central, vários países revogaram o direito ao aborto”, diz Silvia Pimentel, presidente do Comitê para Eliminação da Discriminação contra as Mulheres (Cedaw) da Organização das Nações Unidas (ONU). As chefes de Estado presentes à Cúpula das Mulheres também manifestaram contrariedade com relação à retirada da questão sobre o direito à reprodução. No documento final, formatado com a presença da presidenta Dilma Rousseff e a diretora-executiva da ONU Mulheres, Michelle Bachelet, conclamaram os Estados por plena igualdade de gênero, participação equitativa das mulheres em todos os níveis de liderança, o fim das barreiras discriminatórias, o direito à saúde reprodutiva e o fim da violência, entre outras providências. “Não podemos deixar metade da humanidade discriminada nesse processo de desenvolvimento. A participação das mulheres é fundamental”, afirmou Michelle.

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FÓRUM
Durante a Rio+20, um grupo de Fortaleza protesta contra a mercantilização do corpo.
Abaixo Michelle Bachelet, da ONU, discursa na Cúpula das Mulheres
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Segundo a escritora Rosiska Oliveira, ex-presidente do Conselho Nacional de Direitos das Mulheres, a reivindicação que mais caracteriza o momento atual do feminismo é a luta pelo tempo. “Precisamos reorganizar o mercado, flexibilizar horários e locais de trabalho tanto para homens quanto para mulheres”, afirma. Debates como esse têm o poder de mudar não apenas a vida das mulheres, mas toda a organização da sociedade. A luta das novas feministas brasileiras costuma ter essa característica: uma pauta em prol de ambos os sexos. “Mostramos aos homens que eles também poderiam ser outros, diferentes do que foram educados para ser”, diz Margareth, da Unicamp. A estudante Sara, porém, gostaria que algumas feministas que a criticam respeitassem sua maneira de protestar. “Reclamam da exposição dos seios; dizem que eu vou manchar o feminismo”, afirma. Schuma, da Redeh, lembra que o corpo da mulher historicamente foi utilizado para justificar muitas barbáries e, portanto, o desejo desse corpo livre é um despertar da juventude do século XXI. “Estamos assistindo a uma renovação”, diz a feminista, certa de que as bandeiras pelas quais luta há décadas estão representadas nesse novo feminismo.
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Colaborou Wilson Aquino

Fonte: Revista ISTOÈ Online
Edição: Antonio Luis

sábado, 23 de junho de 2012

Vale tudo


As duas imagens abaixo são símbolos poderosos 

da cena política brasileira. Elas escracham o que

 significam hoje as negociações para a construção

 de alianças eleitorais: um verdadeiro 

mercado de compra e venda

Alan Rodrigues e Pedro Marcondes de Moura
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TOMA LÁ
Lula e o candidato do PT, Fernando Hadadd, tiveram
que ir até a casa de Paulo Maluf para selar o apoio
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DÁ CÁ 
José Serra recebe como companheiro o ex-ministro Alfredo Nascimento,
demitido por Dilma após denúncias de corrupção
As duas imagens acima são símbolos poderosos da cena política brasileira. Elas escracham o que significam hoje as negoci ações para a construção de alianças eleitorais: um verdadeiro mercado de compra e venda. Na pri meira foto, Lula confraterniza com seu arqui-inimigo Paulo Maluf. Na segunda, José Serra se refestela com o apoiodo ex-ministro dos Transportes Alfredo Nascimento, principal alvo de recente faxina ministerial. O que está em jogo não são ideiase projetos, mas cargos futuros e tempo de tevê para a propaganda eleitoral. Essa lógica se repete por todo o País e está por trás da maioria dos escândalos de corrupção. Apenas uma reforma política pode acabar com ela.
Ao longo de toda a sua trajetória política, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva entoou que Paulo Maluf representava o que havia de pior na política. Na segunda-feira 18, porém, depois de um acordo que garantiu ao deputado federal Paulo Maluf (PP-SP) um cargo no Ministério das Cidades, Lula selou uma aliança com o antigo inimigo. Em troca do apoio de Maluf, do seu partido, o PP, e de preciosos 1min30s no horário eleitoral, Lula e Fernando Haddad, candidato a prefeito de São Paulo, aceitaram posar para fotos ao lado do parlamentar, numa cena capaz de enrubescer até o mais pragmático petista. A fotografia não reflete apenas um estilo petista de fazer política, mas ilustra uma prática dos tempos atuais, em que vale tudo para celebrar alianças, ganhar mais tempo na tevê, adquirir musculatura eleitoral e triunfar nas urnas.

Principal adversário de Fernando Haddad à prefeitura paulistana, o tucano José Serra também tinha buscado o apoio malufista. Não conseguiu, porque o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, teria se recusado a nomear um apadrinhado de Maluf na máquina estadual. No início deste mês, no entanto, Serra também já havia mandado a coerência às favas em troca dos mesmos 1min30s no horário eleitoral. Na segunda-feira 4, recepcionou o PR em sua coligação. A formalização da aliança, como no caso do PT, também teve direito a fotos ao lado do ex-ministro dos Transportes Alfredo Nascimento, o mesmo que, em julho de 2011, havia sido alvo de um pedido de investigação do PSDB, partido de Serra, por conta das denúncias de corrupção na pasta comandada por ele. Também alvo da representação tucana de 2011, o deputado federal pelo PR, Valdemar Costa Neto, não compareceu ao evento. Mas é notório que ele foi um dos arquitetos da aliança do seu partido com Serra.

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IMPACTO
O petista Fernando Haddad não contava com a reação negativa da foto com Maluf
O candidato tucano, porém, não se constrange nem com o fato de que Costa Neto é um dos réus da ação penal do mensalão. “As alianças foram feitas com partidos, não com pessoas”, tentou justificar Serra. Na realidade, a polêmica união levou em conta apenas o tempo de tevê. Graças à aliança com o PR, Serra passou a contabilizar 6 min 43s de programa eleitoral. “Hoje a política é baseada na mídia. Nessa realidade, o tempo de propaganda eleitoral é o ativo mais forte”, diz o consultor político Gaudêncio Torquato. Professor da USP, Torquato avalia que, quanto maior o tempo no programa eleitoral, mais visibilidade e influência junto ao eleitorado tem um candidato.

Orientados pelo marqueteiro João Santana, que comandou a vitoriosa campanha de Dilma Rousseff à Presidência da República, Lula e Haddad, ao fecharem a aliança com o PP de Paulo Maluf, adotaram essa mesma lógica, que permeia as disputas eleitorais atualmente. À luz do marketing político, a negociação foi mais do que bem-vinda. O acordo elevou o tempo de Haddad, neófito em campanhas eleitorais, para 7min51s, mais sete inserções diárias de 15 segundos. Uma rápida simulação mostra que, num plano de mídia privado, o tempo que o PP repassa ao PT custaria cerca de R$ 6 milhões. “Seria o suficiente para fazer o lançamento de um grande produto. Esse volume, bastante significativo, é comparável a um lançamento”, diz Roberto Souza Lima, diretor de mídia da Giovanni+Draftfcb. O tempo que Haddad terá à disposição no horário eleitoral será capaz de atingir mais de 70% da população da Grande São Paulo, o que equivale a 13,2 milhões de pessoas.

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LIMITES
Luiza Erundina diz que Lula “foi longe demais”
O custo político e o impacto da aliança Haddad-Maluf nas urnas, no entanto, poderá ser bem maior. O primeiro reflexo político ocorreu apenas três dias depois do anúncio da polêmica parceria. Ao ver pela internet a imagem de Lula avalizando o acordo com Paulo Maluf de mãos dadas, e acompanhar a repercussão negativa do encontro, a ex-prefeita e deputada federal Luiza Erundina (PSB) renunciou à vaga de vice na chapa de Haddad. O acordo havia sido chancelado na quinta-feira 14. “Eu não aceito. É demais para mim. É muito além do razoável. É constrangedor ver Lula e Haddad na casa de Maluf celebrando essa aliança.” Até a sexta-feira 22, o PT não havia encontrado um substituto para Erundina. O nome virá provavelmente do PC do B ou PTB. O certo é que o desgaste, dentro e fora do PT, ficou evidente. “Uma coisa teria sido se o Maluf estivesse de acordo com as propostas defendidas pelo Haddad. Agora, um apoio com base em cargos no governo Dilma não foi bom”, avaliou o senador Eduardo Suplicy (PT-SP) à ISTOÉ. O presidente nacional do PT, Rui Falcão, tentou contemporizar: “Quem mudou foi o Brasil e não o PT. Há 12 anos éramos rivais e hoje somos aliados”, disse Falcão. A opinião pública parece ter interpretado o fato de outro jeito. Nas redes sociais, o tema foi parar no trending topics, onde ficam registrados os assuntos mais comentados no Brasil e no mundo pelo Twitter. “A imagem ficou positiva para o Maluf e desgastante para o Lula”, avalia Roberto Nascimento, professor do Núcleo de Estudos e Negócios do Varejo, da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). “Foi péssimo para a marca PT”, entende Nascimento.

O vale-tudo eleitoral, que tem transformado muitas legendas – existem 29 partidos no Brasil – em organizações políticas de aluguel, não se restringe à eleição em São Paulo. Dissemina-se pelos quatros cantos do País. Em Maceió, por exemplo, Ronaldo Lessa, do PDT, aliou-se ao antigo rival Fernando Collor de Mello (PTB) e levará ao seu palanque o senador Renan Calheiros (PMDB), além do PCdoB. Em Belo Horizonte, o atual prefeito, Márcio Lacerda (PSB), montou um palanque com nada menos que 25 agremiações. Uma salada ideológica que reúne socialistas, liberais, tucanos e petistas. Poucos acordos, porém, chamam a atenção como a tentativa de Anthony Garotinho (PR) e Cesar Maia (DEM) de retornarem à cena política no Rio de Janeiro com uma chapa estrelada por seus filhos. Ambos marcaram suas carreiras em duros embates recheados de acusações de corrupção. Agora, com as bênçãos dos pais, o deputado federal Rodrigo Maia (DEM) e a deputada estadual Clarissa Garotinho estarão juntos na corrida à Prefeitura do Rio. Para o cientista político Octaciano Nogueira, da Universidade de Brasília (UnB), alianças como essas mostram o esvaziamento ideológico dos partidos políticos brasileiros. “Hoje, temos mais de duas dezenas de legendas registradas no Tribunal Superior Eleitoral. Obviamente, não existem tantas ideologias no mundo todo para isso”, explica. O que existe, segundo ele, é um festival de interesses pessoais. “Lula e Maluf são donos de partidos, só isso”, analisa Octaciano.

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NOVO AMOR
Cesar Maia e Garotinho agora debocham das divergências
 
Nessa realidade em que tempo de tevê e distribuição de cargos ocuparam o lugar das ideias e dos programas de governo, fica cada vez mais difícil para o eleitor enxergar diferenças entre as legendas ou os políticos. “Isso contribui para o sentimento de descrença nos partidos e em seus agentes”, analisa o cientista político Marco Antônio Carvalho, professor da Fundação Getulio Vargas. Não à toa, o desinteresse pela política torna-se cada vez mais evidente. Consultados por ISTOÉ, cinco especialistas de instituições diferentes foram unânimes em pregar a necessidade de uma reforma política que contemple mudanças na estrutura eleitoral brasileira. Entre as soluções apontadas estão a redução, de forma drástica, do número de agremiações. Uma lei aprovada em 1995 determinava que só os partidos que obtivessem 5% dos votos poderiam assumir cadeiras no Legislativo e ter acesso ao tempo de tevê e ao Fundo Partidário. A chamada cláusula de barreira, porém, foi considerada ilegal pelo STF e os atuais parlamentares, não por acaso os que mais se beneficiam do sistema atual, não se opuseram. “Temos de limitar o número de partidos para que as legendas tenham representatividade ideológica”, defende Octaciano Nogueira. Outra maneira de reverter esse quadro seria acabar com as coligações. Dessa forma, os partidos seriam proibidos de formar alianças nas disputas para deputado e vereador. 

A obrigatoriedade de que as coligações sejam feitas com base em programas e projetos, e não fundamentadas em meras conveniências eleitorais e partidárias, é outro caminho apontado por cientistas políticos para a mudança do atual cenário. A regra aplicada hoje é um convite para o mercado de compra e venda de apoios, prática que está na origem dos maiores escândalos da história recente do País. O mensalão, por exemplo, começou na construção da aliança para alçar Lula ao Palácio do Planalto. Para construir a coalizão, o PT, tendo o ex-ministro José Dirceu como intermediário, ofereceu a vice-presidência ao PL, hoje PR que está aliado a Serra na disputa pela Prefeitura de São Paulo, em troca de financiamento de campanha. O dinheiro, segundo denúncia da Procuradoria-Geral da República, seria ilegal. “Os conchavos em troca de tempo no horário eleitoral precisam ser revistos. É fundamentalmente por ele que se opera este esquema fisiológico do vale-tudo”, prega Marco Antônio Carvalho, da Fundação Getulio Vargas. Como se vê, proliferam boas ideias para mudar as práticas políticas no País. A perpetuação do vale-tudo, no entanto, interessa aos que fazem parte e se beneficiam do atual sistema político-eleitoral.

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ABRAÇO ALAGOANO
Lessa e Collor, agora juntos em nome do poder local
 
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Fonte: Revista ISTOÈ Online
Edição: Antonio Luis