quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

CEM ANOS DE GONZAGÃO

Se estivesse vivo, hoje faria cem anos. Jamais um artista tão completo e tão autentico fez tanto sucesso como o Rei do Baião. As suas músicas, ainda hoje traduz o sentimento de abandono que vive o povo do nordeste  e tão bem retrado e cantado por Luiz Gonzaga. O legado deixado por ele ficou eternizado nas músicas Asa Branca e Súplica Cearense que até hoje se ouve em todos os cantos do Nordeste Brasileiro. Portanto, nossa homenagem ao Rei do Baião. Abaixo mostraremos uma reportagem falando de sua trajetória e um de seus parceiros mais famoso, Humberto Teixeira.


       O Sanfoneiro Luiz Gonzaga começou seu compromisso musical para com o povo brasileiro, iniciado desde sua infância com o pai, Seu Januário, de ano de 1941 a 1989 por ocasião de sua partida para a eternidade. Durante os 50 anos de sua vida musical teve 53 parceiros musicais, aproximadamente, dos quais o Sr. Dr. Humberto Teixeira fez parte destes, sendo o 7º parceiro do 'Sanfoneiro do Povo de Deus', parceria que duraria de 1946 a 1952. Assim como os demais, este, teve uma boa participação na parceria com 'Lua'. O 'Eterno Cantador' cantou ainda músicas de aproximadamente 198 compositores, contudo, com a grande preocupação se essas músicas, tinham realmente compromisso com o Nordeste. Tudo isso além de suas composições pessoais.
          Foi o 'Véio Macho' o primeiro a ter compromisso pelo Nordeste, conforme afirmara Veríssimo de Melo: "De raízes autenticamente nordestinas - justifica - sua música foi um grito de protesto e ao mesmo tempo de amor pela nossa região. Ninguém, antes deles, falou com maior propriedade insistentemente pela valorização do homem nordestino. Falou com o coração e com a música - as duas faces de sua sensibilidade de predestinado". Sua música não era falácia, mas um canto que brotava da realidade de cada homem brasileiro, em especial, do homem nordestino.
          O Soldado de Getúlio Vargas, de 1930 a 1939, queria ganhar a vida por meio da música, mas com uma música autenticamente brasileira, não precisando importar. Após passar pela zona violenta do Rio, o Mangue, e chegar a Rádio Nacional, ele queria cantar o Nordeste, conforme, afirmara à Dominique Dreyfus: "Eu queria cantar o Nordeste. Eu tinha a música, tinha o tema. O que eu não sabia era continuar. Eu precisava de um poeta que saberia escrever aquilo que eu tinha na cabeça, de um homem culto pra me ensinar as coisas que eu não sabia". O filho de Januário e Santana continuava a procurar um parceiro para que o completasse, vindo a ocorrer o encontro com Humberto Teixeira. O Doutor do Baião metrificava aquilo que Gonzaga tirava de forma ampla de seu matulão, que tinha trazido do Sertão, lá Nordeste para o Sul. O Moleque "amarelo, bochudo, cabeça de papagaio, zambeta, fei pá peste" finalmente estava se encontrando com o parceiro que sempre sonhara. Contudo, o Sr. Dr. Humberto Teixeira a princípio não pensava que estava fazendo uma parceria com o Maior Sanfoneiro Nordestino, Sua Majestade, o Rei do Baião.

Humberto Teixeira ao Microfone

          Ambos, antes do encontro, já tinham sua história musical: Humberto Teixeira entendia de flauta e bandolim, já tinha músicas gravadas tais como - valsas, cantigas, sambas, modinhas, toadas - nada tinha de especificamente nordestino; Luiz Gonzaga já tinha gravado e tocado mazurca, valsa, xamego, choro, polca, chorinho, picadinho, quadrilha, valsa/marcha, marcha, calando, embolada e xote. Vale ressaltar que xote ele tocava com Pai Januário lá no Araripe, mas ainda não tinha gravado. Desse encontro que duraria 5 anos de trabalho musical, a dupla Gonzaga/Teixeira produziu, compôs e gravou xote, toada, polca, baião, siridó, batucada, xaxado.
          Numa tarde de agosto de 1945, Gonzaga se encontra com Humberto Teixeira e manifesta a vontade de cantar o Nordeste, sanfonando temas tradicionais do Araripe, Exu. Então surge, flui, da dupla a música No Meu Pé de Serra, um xote autobiográfico, com melodia inspirada numa música do repertório de Seu Januário.
          Luiz Gonzaga anos mais tarde, no livro 'A Saga de Luiz Gonzaga de Dominique Dreyfus, relembra o encontro afirmando, falando da origem dessa música: "Lá no meu pé de serra/Deixei ficar meu coração/Ai que saudades eu tenho/Quero voltar pro meu sertão...". "Essa letra dizia a saudade que eu sentia do Nordeste". Será que ainda se pode negar que essa música não seja sentimento e enredo de Luiz Gonzaga, e que não tenha como fonte, o Araripe, o Nordeste? A parceria de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira tiveram outros clássicos, nos quais, quero destacar a música Asa Branca.
          Denise Dummont, filha do Dr. Humberto Teixeira o parceiro de Luiz Gonzaga na música Asa Branca, chegou a afirmar neste excelente veículo de comunicação do dia 20 de maio em curso, no Caderno Vida & Arte chegou a afirmar: "Todo mundo canta 'Asa Branca' e ninguém sabe quem foi Humberto Teixeira, quando na verdade ele foi grande compositor. Ele fez várias músicas sozinho. (...). A obra musical do papai ficou ofuscada pelo grande pernambucano Luiz Gonzaga. está na hora de trazer o papai à tona". Na verdade vivemos numa sociedade onde os valores culturais são na sua maioria esquecidos, mas, é preciso despertar e conservá-los em nossa sociedade hodierna.
          É preciso que fique claro que a música faz parte desses valores culturais em crise. Faço destaque a música de Luiz Gonzaga com seus parceiros e compositores que tinha um compromisso especial para com o Nordeste. Teria sido bem melhor se dona Denise Dummont ao falar da importância da música Asa Branca tivesse mencionado a parceria de Luiz Gonzaga/Humberto Teixeira, conforme trazem os LPs. Pois essa música foi parceria dos dois, segundo depoimentos de Luiz Gonzaga: "Com Humberto Teixeira fiz Asa Branca, o Baião, Assum Preto, tantas músicas de minha sensibilidade e que ficarão comigo eternamente. Quando apresentei a música a Humberto falei para ele: Agora estou com vontade de fazer Asa Branca. Mas não boto muita fé, porque é muito lenta, cantiga de eito, de apanha de algodão. Humberto pediu para eu cantar a música, eu cantei e ele me convenceu a fazê-la".
          Luiz Gonzaga era conhecedor dessa riqueza musical porque ouvia o pai, Seu Januário tocar no seu fole de 8 baixos: "Asa Branca foi-se embora/ Bateu asa do Sertão/ Larará não chore não..." e o povo dava continuidade, completava o tema dado por Seu Januário. O Rei do Baião ainda relembra os momentos em que compunha com Humberto Teixeira, afirmando: "Quando eu quis me lembrar das coisas que tocava quando era menino, para Humberto Teixeira botar letra, eu tive certa dificuldade, não me lembrava muito". Tudo isso nos prova que Sr. Dr. Humberto Teixeira juntamente com Luiz Gonzaga deram letras aos temas que Gonzaga trazia lá do Araripe, a cantiga do povo.
          Gonzagão com sua intuição sertaneja que sempre acompanhara, falando sobre a contribuição que dá ao folclore, diz: "A pessoa não deve matar o tema, deve melhorá-lo. Asa Branca era folclore. Eu toquei isso quando era menino com meu Pai. Mas aí chega Humberto Teixeira e coloca: 'Quando olhei a terra ardendo/ Qual fogueira de São João... e se conclui um trabalho sobre Asa Branca". Humberto Teixeira, o Doutor do Baião, teve uma participação especial e importante em melhorar com Luiz Gonzaga o trabalho sobre Asa Branca, porém, ele não autoridade exclusiva sobre o tema. Esse clássico Gonzaga já conhecia desde a sua infância por meio da tradição oral. Também é necessário reconhecer que Humberto Teixeira fez outras músicas sozinho e com outros parceiros.
          Denise chegou afirmar ainda que Luiz Gonzaga tinha ofuscado a obra musical de seu pai, e que estava na hora de trazê-lo à tona. Realmente concordo que o Sr. Dr. Humberto Teixeira está esquecido, bem como, dá ênfase nos dias de hoje a importância dele na história musical, mas, não se deveria ofender, molestar a pessoa do Cantor e Sanfoneiro Luiz Gonzaga, in memoriam.
Humberto Teixeira Sentado          O Rei do Baião jamais ofuscou Humberto Teixeira, pelo contrário, em setembro de 1968 lançou um LP homenageando o Parceiro, intitulado: Meus Sucessos com Humberto Teixeira; e em 1970 lançou: Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira (Coleção História da MPB/ Abril Cultural). Como ainda se diz que Luiz Gonzaga ofuscou musicalmente Humberto Teixeira? Lamento muito, acho que a senhora Denise Dummont não foi tão feliz nessa colocação.
          Por volta de 1952 num determinado evento no Rio de Janeiro, Ademar de Barros foi cumprimentá-lo e disse, segundo depoimento do próprio Humberto Teixeira, "que eu era um bom orador e que eu deveria me candidatar. E que ia me dar uma legenda... eu acabei com uma suplência e depois me diplomando como deputado federal. Luiz Gonzaga estava na época em Rio Grande do Norte quando soube que eu estava me candidatando, e saiu de lá e veio me prestar uma ajuda maravilhosa, inclusive de transporte, gasolina. Eu não tinha dinheiro nenhum e posso dizer que foi Luiz Gonzaga que me colocou na deputação".
          O motivo, pela qual, parceria de Gonzaga/Teixeira chegou ao fim e num clima de grande amizade, segundo depoimentos de Dr. Humberto Teixeira: "Ora, existia uma lei que proibia um autor de uma sociedade fazer parceria com um compositor de Outra. Por isso, parou a parceria. Mas nada disso afetou a nossa amizade". Essa sociedade eram as associações de direitos autorais. Será que depois de tudo isso, Luiz Gonzaga teria ofuscado Dr. Humberto Teixeira.
          O folclorista Câmara Cascudo ao fazer referência à obra e a pessoa de Luiz Gonzaga, classifica-o de paisagem pernambucana, paisagem composta de água, matos, caminhos, silêncios, gente viva e morta. "O artista Gonzaga nunca se separou do homem sertanejo que jamais esqueceu suas raízes e cantou sua saudade e todo o amor que tinha pelo Sertão e seu povo. Tanto que sua obra é um verdadeiro acervo cultural do Nordeste, onde se encontra o perfil completo da Região com todos os seus personagens e os seus detalhes".
          Não dá para ficar calado. É necessário fazer justiça à obra e à pessoa que defendeu o Nordeste até a morte. Faço minhas as palavras de Nelson Barbalha: "Gonzagão, de saudosa memória, sustentou a peteca durante mais de meio século, sem jamais deixá-la cair no chão. Foi, é, e será inatingível. Muita gente o imita, ninguém o iguala. Era mesmo insubstituível". Ele era realmente "O Homem da Terra", "O Asa Branca da Paz".
Texto: José Fábio da Mota/A. Luis
Edição: Antonio Luis

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