O enredo dessa renúncia histórica tráz contornos dignos de filme. Mas aconteceu na vida real do pontificado. Bento já pouco mandava nos desígnios da Igreja. Tentou punir cardeais envolvidos em pedofilia e não conseguiu; buscou o caminho da coesão de correntes, sem sucesso. Várias eram as medidas tomadas à sua revelia. Na última homilia, o papa não poupou os detratores. Falou em “hipocrisia religiosa”, em “divisão do clero”, reclamou dos que estavam “instrumentalizando Deus” para conseguir “prestígio pessoal e poder”. A franqueza do recado papal surpreendeu. E mais ainda a sensação de que legaram a Joseph Ratzinger um mero papel de CEO figurativo da organização, longe da natureza divina do posto. O gesto de renúncia, ao mesmo tempo que expõe a face mais humana do pontífice, macula a imagem de santidade cultivada há séculos pelos fiéis e põe um ponto de interrogação na cristandade. De todo modo, o sumo sacerdote deu nova direção à comunidade eclesiástica e sua sucessão abre caminho para a modernização da Igreja. Quem sabe assim poderá ocorrer uma maior aproximação do rebanho, seja através da revisão de valores conservadores – como a proibição do aborto, a condenação de homossexuais e do uso de contraceptivos –, seja por meio da escolha de um pontífice representativo das maiores nações católicas, como o Brasil. É crucial a missão do colégio cardinalício nesse contexto. Bento, em que pese o pouco carisma e a visão doutrinária conservadora, pode hoje ser visto como um revolucionário e demonstrou ter, sim, louváveis razões para mudar o curso da Santa Sé.
Fonte: Revista ISTOÉ Online
Edição: Antonio Luis
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