A VINGANÇA
Renan orientou seus aliados a fazerem de tudo para
constranger o procurador da República, Roberto Gurgel
Nos últimos dias, o comportamento sereno, em público, escondeu um contrastante estado de ânimo de Renan Calheiros (PMDB-AL). Recém-eleito presidente do Senado, o parlamentar alagoano remoeu por dentro um sentimento de vingança absorvido dos ensinamentos de Maquiavel, em “O Príncipe”: para se manter, o político deve aprender a ser mau e valer-se disso de acordo com sua necessidade, ensinava o pensador florentino. O alvo da ira de Renan é o procurador-geral da República, Roberto Gurgel. Às vésperas de sua inevitável eleição, Gurgel divulgou representação encaminhada ao STF em que o denunciou por apresentar notas frias como justificativa de patrimônio. A denúncia aumentou ainda mais a indignacão nacional com a recondução ao comando do Senado de um político afeito a práticas dignas dos tempos do coronelismo. Mas a acusação também atiçou ainda mais a fúria de Renan. Agora, fortalecido internamente por ter alcançado uma vitória mais ampla do que se previa, Renan prepara o revide. Em conversas reservadas, ele espalhou que Gurgel atua com propósitos políticos. Na última semana, o presidente do Senado mobilizou aliados para votarem contra as matérias de interesse do procurador da República na Casa. Num outro passo mais ousado, Renan passou a trabalhar nos bastidores para tentar transformar Gurgel de acusador a acusado.
A primeira medida em retaliação a Gurgel será apressar a recondução do professor Luis Moreira ao Conselho Nacional do Ministério Público. Ele é adversário político de Gurgel, a quem acusa de não submeter o MP aos mesmos critérios de transparência que cobra do Legislativo e do Executivo. A indicação de Moreira vinha sendo protelada por um acordo de cavalheiros no Senado. Não se mexia com as denúncias contra parlamentares, inclusive Renan, e, em troca, mantinha-se o adversário de Gurgel longe no Conselho. O ataque pré-eleitoral quebrou esse acordo – e não só.
Aliado de Renan desde 1989, quando os dois programaram a campanha presidencial enquanto jantavam um pato laqueado em Pequim, o senador Fernando Collor (PTB-AL) partiu na semana passada para uma nova ofensiva direta contra Gurgel. Em 2012, Collor tinha ido à tribuna do Senado para acusar o procurador-geral de “ chantagista” e “ prevaricador”. A nova denúncia de Collor, em parceria com Renan – uma dupla cujos métodos políticos remetem ao cangaço – envolve a aquisição pela Procuradoria de 1.226 tablets por R$ 3,9 milhões, numa licitação aberta às 12h30 de 31 de dezembro de 2012. Embora a compra tenha sido realizada por pregão eletrônico, um aspecto básico chama a atenção – o preço.
A procuradoria-geral pagou R$ 2.398 pelo tablet, enquanto outras empresas concorrentes ofereciam o preço de R$ 1.996. Em grandes lojas da capital federal, é possível encontrar equipamentos que atendem às mesmas especificações do edital, pelo preço de R$ 2.231. Pregões recentes, na Universidade Federal de Goiás e da Funart, para compra de tablets com a mesma configuração registraram preço de R$ 2.049 e R$ 2.069. Outro aspecto é que a empresa vitoriosa, a Versátil Informática, de Brasília, terminou a licitação em sexto lugar. Acabou vencedora porque as cinco empresas que estavam à sua frente foram desclassificadas. Em seu recurso contra a licitação, a “Criar Êxitos,” do Mato Grosso do Sul, que terminou em primeiro e perdeu o negócio, acusou por escrito: “Parece que o pregoeiro e a empresa vencedora estão mancomunados”.
Procurado por ISTOÉ, Gurgel ofereceu, através de uma assessora, suas explicações para o caso. Afirmou que “durante o processo licitatório não foi registrado qualquer pedido de esclarecimento e impugnação. O certame teve ampla competitividade, contando com mais de vinte participantes.” Citando uma auditoria sobre a licitação, Gurgel informou que ela concluiu que havia ocorrido “observância dos princípios recomendados pelo Tribunal de Contas da União e os constantes da Lei 8666/93”. A auditoria foi realizada pelo próprio Ministério Público, que tem Gurgel como procurador-geral há quatro anos, com mandato até julho, sem direito a uma nova reeleição. Consultado sobre as acusações de “chantagista” e “prevaricador”, Gurgel mandou dizer que não iria comentá-las, por considerar que “são críticas genéricas.”
Entre aliados de Collor, a versão é menos trivial. Carrega a malícia e o veneno típicos do político alagoano notabilizado pelo estilo “bateu, levou”, adotado ao longo de sua trajetória política. Eles acusam Gurgel ter feito uma troca de favores com o ex-senador Demóstenes Torres para ser reconduzido a um segundo mandato no Ministério Público, em agosto de 2011. A versão é que, naquele momento, em posição frágil entre vários integrantes da Comissão de Constituição e Justiça, ele pediu apoio político a vários senadores, entre os quais Demóstenes, ex-presidente da própria CCJ e então personagem influente no Senado. Em troca desse apoio, insinuam auxiliares de Collor, ele arquivou os dados da Operação Vega, que envolviam Demóstenes com o contraventor Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira. Procurado, Demóstenes não quis se pronunciar. “Ele fez chantagem a um senador da Republica”, diz Collor. O futuro das acusações contra Gurgel é obscuro e parece pouco provável que, com base apenas nas denúncias já conhecidas, a Mesa Diretora da Casa, que tem a responsabilidade de aceitar uma investigação dessa natureza, aceite alguma acusação contra ele. No entanto, os aliados de Renan recordam que, conforme o artigo 52 da Constituição, cabe privativamente ao Senado processar e julgar crimes de responsabilidade do procurador-geral da República. Como se vê, Renan e sua turma não parecem estar de brincadeira quando ameaçam retaliar o chefe do Ministério Público.
CONFRONTO À VISTA
Conforme o artigo 52 da Constituição, cabe ao Senado processar e
julgar crimes de responsabilidade do procurador-geral da República
Escolhido em circunstâncias semelhantes às de Renan para presidir a Câmara de Deputados, o deputado Henrique Alves (PMDB-RN) herdou uma questão igualmente beligerante e espinhosa: a perda de mandato dos quatro deputados condenados pelo mensalão. O Supremo considerou que tinha o direito de definir a cassação dos deputados, apesar das determinações do artigo 55 da Constituição, que reserva ao Congresso a palavra final sobre perda de mandato. Henrique Alves, em campanha, comprometeu-se em defender as prerrogativas da Câmara. “É imprescindível a última palavra do Legislativo,” disse em entrevista à ISTOÉ (6/2/2013). Após a vitória, Henrique Alves encontrou-se com Joaquim Barbosa, presidente do STF. Embora tenha dito que a conversa não tratou do assunto, na saída, disse que “não há hipótese” de a Câmara contrariar a decisão do Supremo. Ficou uma ambiguidade. Uma parte do debate envolve a condenação pelo Supremo, as penas de prisão e as multas. Não há hipótese de o Congresso modificar isso. Outra parte envolve a perda do mandato, resolvida pelo STF, cabendo ao Congresso apenas referendar – burocraticamente – a decisão.
Antes de chegar à Câmara, a sentença do mensalão precisa completar seu percurso no STF. Cada condenado irá apresentar recursos e embargos, que permitem a revisão de decisões tomadas com pelo menos quatro votos em contrário. Uma dessas decisões envolve, justamente, o ritual de perda de mandatos, definida pelo apertado placar de 5 a 4. Os deputados condenados vão recorrer, pedindo ao STF que se faça uma nova deliberação, devolvendo a decisão para a Câmara. Eles acreditam que têm chances de reverter a decisão por duas razões. Teori Zavaski, o mais novo ministro do STF, não votou na primeira fase do julgamento e deve fazer isso agora. Se mantiver seus posicionamentos passados, inclusive por escrito, Zavaski trará o quinto voto a favor da defesa, empatando a decisão. Há mais ainda. Dilma Rousseff não nomeou, até agora, o substituto da vaga deixada por Carlos Ayres Britto. Nada impede que o novo nomeado, ainda em estudos, se apresente para votar os recursos, caso a deliberação seja mais demorada. É mais um voto que pode pender a balança para um lado ou para outro. Depois que essas questões forem resolvidas, no Supremo, o debate chega à Câmara. E aí todas as ambiguidades terminarão.
Montagem sobre fotos de adriano machado/ag. istoÉ
Fotos: ED FERREIRA/AGêNCIA ESTADO/AE; Adriano Machado/ag. istoé
Fonte: Revista ISTOÉ On Line
Edição: Antonio Luis