sábado, 9 de junho de 2012

As armas eficazes contra a dor de cabeça


Cientistas definem os remédios que realmente 

previnem e tratam a doença e indicam métodos

 capazes de aliviar os sintomas

Monique Oliveira
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Olhe ao seu redor. A cada dez pessoas que você vê, sete sentem dores de cabeça eventuais ou frequentes, segundo a Organização Mundial da Saúde. São vários os sintomas. Dor latejante em um dos lados ou dos dois do crânio, sensação de pressão, de pontadas. Algumas estão associadas ao esforço físico, à tensão e até à relação sexual. A maioria das pessoas tenta resolver o desconforto com um analgésico. Se o remédio não fizer o efeito esperado, o comportamento mais comum é engolir mais um comprimido e esperar pelo alívio, que nem sempre chega porque o problema já se tornou crônico. Dentre os indivíduos acometidos regularmente pelas cefaleias – o nome científico das dores de cabeça –, pelo menos um deles sofre de uma das formas mais intensas e recorrentes do problema, a chamada enxaqueca.

Felizmente, a medicina está avançando na compreensão das causas e no desenvolvimento de terapias mais eficientes para controlar o mal-estar. “Acreditem: mais de 50% das dores de cabeça e crises de enxaqueca podem ser evitadas com bons tratamentos preventivos”, disse à ISTOÉ o neurologista americano Stephen Silberstein, membro da respeitada Academia Americana de Neurologia (AAN), formada por 25 mil especialistas. Ele é autor, com outros cinco colegas, de um guia recém-lançado pela instituição que indica, entre todos os medicamentos disponíveis, os que realmente funcionam para evitar as temidas crises de enxaqueca, que pode ser hereditária. A equipe verificou a metodologia e os resultados dos principais estudos publicados em revistas científicas na última década. As diretrizes da AAN são referência mundial e devem ser seguidas para assegurar o adequado enfrentamento da mais aguda dor de cabeça. 

Os tratamentos mais eficientes para evitar essas crises, conforme os neurologistas americanos, devem ser selecionados entre três classes de medicamentos com ação no cérebro. Uma delas é composta pelos neuromoduladores, remédios que atuam na regulação de compostos liberados pelo nervo trigêmeo (cujas raízes estão na parte posterior da cabeça) e que são responsáveis pela deflagração de reações inflamatórias nos vasos sanguíneos da dura mater, uma das membranas que recobrem o sistema nervoso. Esse processo é a fagulha inicial da perturbação que pode durar horas ou até mesmo dias e se propaga em ondas por todo o cérebro. Outra categoria competente são os betabloqueadores, drogas apropriadas para tratar problemas cardiovasculares. Em dose menor, eles diminuem a pressão intracraniana que se manifesta em alguns tipos de dor de cabeça. Por fim, os neurologistas americanos destacam a eficácia dos anti-inflamatórios, que impedem a dilatação dos vasos sanguíneos.

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A AAN referendou ainda os efeitos preventivos do remédio fitoterápico Petasite, feito com uma planta nativa de regiões montanhosas da Europa com ação anti-inflamatória similar à cortisona. O produto não é usualmente comercializado nas farmácias do País. 

As recomendações do novo consenso americano estão sendo adotadas no Brasil, que tem dado contribuições relevantes para aprimorar, por exemplo, o uso dos neuromoduladores. “Um dos maiores problemas são os efeitos colaterais sentidos por alguns pacientes, como a dificuldade de cognição, o que leva muita gente a desistir do tratamento”, diz Abouch Krymchantowski, do Rio de Janeiro, autor de um estudo que testou o uso do remédio ministrado em menor dose em parceria com outro composto, o divalproato de sódio. “De 38 pacientes, 27 reportaram maior tolerância e se mantiveram no tratamento”, comemora o especialista. 

Nos episódios em que a crise sobrepuja esses esquemas de prevenção e se instala, as recomendações mais atuais da neurologia indicam que os melhores resultados são obtidos com compostos que simulam o neurotransmissor serotonina, uma substância que faz a comunicação entre as células nervosas do cérebro e está associada ao controle do humor, do ciclo vigília-sono e tem efeito analgésico comprovado. Esses remédios pertencem a uma família denominada triptanos. “Agem especificamente na fase aguda da enxaqueca”, explica o neurologista Milberto Scaff, professor catedrático da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e diretor clínico do Hospital Sírio-Libanês. Se nada disso for suficiente para aliviar o sintoma, o guia da AAN manda reforçar o arsenal. “Hoje, a combinação de triptanos com anti-inflamatórios é o tratamento com mais sucesso na hora da crise”, diz o neurologista Abouch Krymchantowski, um dos mais prestigiados especialistas do País no tratamento das variadas formas de cefaleias. Nesta área, há um novo medicamento que une esses dois gêneros de substâncias em uso nos Estados Unidos e que está em fase de aprovação no Brasil.

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A esperança de encontrar armas ainda mais potentes e com menores efeitos colaterais tem levado os pesquisadores a explorar o envolvimento de cada parte do cérebro nas dores de cabeça. Um dos últimos achados é a participação do tálamo, área que regula a percepção do espaço, a consciência, o sono e os estados de alerta, que são algumas das habilidades seriamente comprometidas durante as crises. A estrutura também retransmite os impulsos sensoriais que recebe para o córtex, a camada mais externa do cérebro e na qual várias informações são processadas. Os cientistas acreditam que uma disfunção nesse mecanismo de repasse sirva como gatilho para crises. “O tálamo atua como uma espécie de estação de redistribuição dos impulsos, repassando-os, por exemplo, aos receptores de dor situados em várias partes no cérebro”, explicou à ISTOÉ Allan Purdy, chefe do Centro de Estudos em Neurologia do Hospital Elizabeth II, no Canadá. “Essa mediação pode interferir na intensidade das dores, tornando-as piores”, diz ele.

A importância desses estudos sobre o papel do tálamo é grande. Eles estão contribuindo, por exemplo, para explicar a fotofobia (sensibilidade ou aversão à luz), um sintoma comum da enxaqueca. Os especialistas suspeitam que existe uma forte relação entre o tálamo e o nervo óptico com papel crucial na manifestação e na intensidade desse sintoma, como evidenciou um estudo da Universidade de Harvard. “Constatamos que pacientes cegos por doenças que lesionam o nervo óptico, como o glaucoma, sentem menos enxaqueca do que aqueles que mantiveram essa estrutura preservada”, disse à ISTOÉ Rami Burstein, professor da Escola de Medicina de Harvard, em Boston, nos Estados Unidos. 

A partir dessa observação, os especialistas perceberam que a luz ativa o nervo óptico, que, por sua vez, excita o tálamo, interferindo na maneira como essa estrutura redistribui os estímulos no cérebro. Agora, os cientistas estão buscando novas terapias baseadas no bloqueio das moléculas que transmitem esses impulsos através do nervo óptico. “É um caminho promissor para prevenir a ocorrência da fotofobia durante a enxaqueca e, como consequência, a dor”, diz Burstein. Outra linha de pesquisa importante para a investigação de novas terapias está no genoma humano. O entendimento de variações genéticas que podem predispor uma pessoa a dores talvez forneça a explicação, por exemplo, dos motivos que levam um simples gole de vinho a deflagrar uma dor de cabeça insuportável em alguém e deixar outra pessoa incólume.

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O mapeamento dos percursos cerebrais dessas dores também está conduzindo os cientistas a novas abordagens. Um exemplo é o trabalho de um grupo de pesquisadores das Universidades Michigan e Harvard, nos Estados Unidos. Eles desenvolveram uma tecnologia de estimulação cerebral que pode diminuir a recorrência das crises de enxaqueca em 37%. A técnica consiste em promover uma neuroestimulação por meio da descarga de pulsos elétricos de baixa voltagem no cérebro, ministrados através de eletrodos posicionados sobre a cabeça. “Esses estímulos podem atingir até mesmo regiões mais profundas do cérebro” disse à ISTOÉ Marom Bikson, professor de engenharia biomédica na Escola de Engenharia Groove, em Nova York, que tomou parte no desenvolvimento da técnica. Os cientistas afirmam que a descarga elétrica modifica a química cerebral de forma positiva para afastar dores de cabeça. “Com a estimulação, houve liberação imediata de endorfinas, neutrotransmissor que é um dos principais mecanismos analgésicos do sistema nervoso e está relacionado com as crises de enxaqueca”, diz o brasileiro Alexandre da Silva, pesquisador do método e professor associado na Universidade de Michigan. A intenção das equipes de Harvard e Michigan é que o aparelho seja portátil (ele teria o tamanho de uma carta de baralho) e possa ser usado pelo paciente em qualquer lugar de maneira profilática. “Antes que isso aconteça, porém, será necessário testar seus efeitos em estudos clínicos com grandes populações”, explica Silva. 

Outro recurso para o controle do sintoma na sua forma mais severa foi testado em um estudo feito pelo Centro de Dor de Cabeça da Universidade da Califórnia, nos Estados Unidos. Trata-se da aplicação de doses altas de ácido acetilsalicílico, a aspirina, na veia, no momento da crise. Segundo os pesquisadores, o método se revelou tão bom no combate à dor quanto os triptanos, com a vantagem de ter menos efeitos colaterais. No trabalho, os pacientes registraram três pontos a menos do que antes ao responder a perguntas de uma escala de classificação da dor. Essa variação pode diferenciar uma crise severa de uma moderada. “Isso mostra que, hoje, há tratamentos mais baratos e menos tóxicos à disposição de médicos e pacientes”, disse Peter Goadsky, professor da Universidade da Califórnia e autor do estudo.

Simultaneamente ao surgimento de novas opções terapêuticas, outras estão perdendo credibilidade. É o caso da toxina botulínica – substância produzida por uma bactéria capaz de paralisar os músculos e que, em pequena quantidade, ameniza rugas. Um artigo publicado na revista da Associação Médica Americana (“JAMA”) em abril comparou a ação da terapia ao efeito de tratamentos placebo. O veredito foi dado após uma revisão dos estudos que embasaram a aprovação da toxina para a terapia das dores de cabeça constantes e intensas. “O uso desse método é uma falácia. Pode ter um efeito placebo poderoso, mas há outras técnicas de fato eficientes para reduzir a tensão associada a algumas dores de cabeça intensas”, diz o médico Paulo Bittencourt, de Santa Catarina.

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Uma delas é o emprego cada vez mais frequente de sessões de terapia cognitivo-comportamental, técnica que é focada na mudança de pensamentos e crenças e dos padrões de comportamento a eles vinculados. A terapia tem se mostrado bastante útil na identificação e no controle de condutas que levam alguns pacientes a crises reiteradas e, por fim, crônicas. Na origem de tudo está a repetição de algumas atitudes. “Há pacientes com problemas recorrentes no casamento ou no trabalho, o que aumenta a tensão. Isso pode ser fundamental para o agravamento do quadro”, diz o neurologista Bittencourt. “Nestes casos, a terapia ajuda muito.” Em tais circunstâncias, técnicas de ioga também podem ter êxito. Um estudo realizado pelo Instituto de Pesquisa Médica Jaipur, na Índia, mostrou que bastou uma sessão de 60 minutos por semana para diminuir consideravelmente os acessos de dor de cabeça. No trabalho, com duração de um ano, 60% dos voluntários reportaram que o número de crises ficou em torno de cinco por mês, bem menos do que registravam antes. 

A acupuntura é igualmente eficiente no alívio da cefaleia tensional, conforme a Universidade de Munique, na Alemanha. A curto prazo (cerca de três meses), ela reduziu os sintomas na maioria dos participantes do estudo. A longo prazo, porém, os especialistas concluíram que ela não é suficiente para amenizar dores mais persistentes e severas. Deve, portanto, ser associada a outros tratamentos. De posse de toda a produção científica acumulada nos últimos anos, a AAN faz uma recomendação clara para quem sofre de dor de cabeça: analgésicos podem ser indicados apenas nos casos em que a crise acontece menos de uma vez por mês. Se ocorrer com mais frequência, o caminho mais produtivo para resolver o problema é iniciar um programa de prevenção.

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Fonte: Revista ISTOÈ
Edição: Antonio Luis

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