O ex-ministro começa a ser julgado pelo STF
por corrupção
ativa. E, apesar da provável condenação,
ele ainda luta,
para ampliar sua influência no governo
Claudio Dantas Sequeira e Josie Jeronimo
ÚLTIMA CARTADA
Dirceu acha que pode ser preso e articula para não perder poder político
Em cinco semanas do julgamento do mensalão, com 23 sessões que somaram 200 horas, o Supremo Tribunal Federal já definiu muita coisa sobre o escândalo político denunciado sete anos atrás. Com os votos proferidos até agora, os ministros do STF mostraram que o esquema de corrupção foi abastecido com dinheiro público e que uma “sofisticada organização criminosa” se valeu de empréstimos fictícios no Banco Rural e recorreu a esquemas de lavagem de dinheiro para esconder seus delitos. Três réus foram condenados por gestão fraudulenta, oito por lavagem de dinheiro e em cinco casos o Tribunal entendeu que os acusados cometeram crimes de peculato e corrupção passiva. Agora, a partir desta semana, chegou a vez de mirar o chamado “núcleo político” do mensalão identificado pela Procuradoria-Geral da República. Ou seja, é a hora H para uma turma de homens públicos liderados, conforme a acusação, pelo ex-todo-poderoso ministro da Casa Civil do governo Lula José Dirceu. Depois de descrever como funcionava o conluio do mensalão, os ministros do Supremo vão mostrar quem mandava nele. De início, o Tribunal vai tratar do pagamento de propinas a políticos da base aliada do governo. Nesse capítulo, Dirceu será julgado por corrupção ativa.
DESPRESTÍGIO
Presidenta Dilma Rousseff tem barrado tentativa de Dirceu de aumentar seu poder no governo
Só na última semana do julgamento, o STF partirá para o crime de formação de quadrilha.
A sistemática que vem sendo adotada no julgamento e o conteúdo dos votos dos ministros do STF não favorecem José Dirceu. Pelo contrário. Seguindo a eficiente estratégia de “fatiar” o julgamento, proposta pelo relator, ministro Joaquim Barbosa, o Supremo aceitou os principais pontos da tese da denúncia. Com o processo analisado por capítulos, cada condenação acabou dando lógica e suporte ao julgamento do item seguinte. Por isso, na semana passada, pela primeira vez, Barbosa já vinculou Dirceu ao repasse de dinheiro do esquema, influenciando também os demais ministros. Como se vê, seu futuro não parece nada alvissareiro.
O horizonte sombrio da provável condenação já é admitido pelo próprio José Dirceu em conversas com amigos e advogados. Ele acredita até na possibilidade de ser preso. Para não se abater por completo, no entanto, o ex-ministro tem intensificado articulações para buscar saídas e se manter ativo politicamente no PT. Ele ainda é influente no partido e nunca deixou de ter poder no governo. No mês passado, por exemplo, apesar de toda a exposição negativa de seu nome, Dirceu fez movimentos para emplacar aliados em postos-chaves da administração federal. Entre eles o cobiçado cargo de secretário-executivo da Secretaria de Comunicação da Presidência da República. Recentemente também indicou afilhados políticos para os setores de energia, telecomunicações, transporte e fundos de pensão. A maioria dessas tentativas, no entanto, foi em vão. Apesar de manter uma boa relação no plano pessoal com o ex-ministro, a presidenta Dilma Rousseff não quer Dirceu influenciando seu governo. “Há alguns ministros que já nem retornam suas ligações”, diz um aliado do petista.
A perda de espaço de Dirceu no governo faz parte de um processo de esvaziamento de poder que começou no início do governo Dilma e se intensificou nos últimos meses. Técnicos do PT confirmaram à ISTOÉ que o total de funcionários do primeiro ao terceiro escalão, considerados da cota de Dirceu, caiu de aproximadamente 1,5 mil indicados para menos de mil. A derrota mais recente do ex-ministro no coração do poder em Brasília foi a tentativa dele de colocar um apadrinhado no posto de secretário-executivo da Secretaria de Comunicação da Presidência da República, comandada pela ministra Helena Chagas. Com a aposentadoria da funcionária de carreira do Banco do Brasil Yole Mendonça, Dirceu procurou emplacar o deputado André Vargas (PT-PR), secretário de Comunicação do PT. Fez isso de olho na gestão dos milionários contratos de publicidade institucional do governo. Mas fracassou. Helena Chagas prefere negar a ofensiva. “Garanto que ele nunca me telefonou ou fez qualquer tipo de gestão”, disse ela. Vargas, por sua vez, saiu pela tangente. “Houve um buchicho de que eu queria o lugar da Yole, mas estou feliz como deputado”, afirma. “Defendo a frente parlamentar de mídia regional. Faço um debate, mas não para participar do governo.” O cargo, por desejo de Dilma, foi entregue a Roberto Messias, um técnico.
Este ano, Dirceu também quis emplacar Afonso Carneiro Filho na Valec, mas, outra vez, não obteve êxito. Como prêmio de consolação, encaixou o aliado em uma diretoria da Secretaria de Política Nacional de Transportes. O emprego do apadrinhado na direção da secretaria, entretanto, durou pouco: ele foi exonerado no dia 12 de abril e voltou para a regional da CBTU em Belo Horizonte. Nos últimos meses, o ex-ministro também lutou para manter sua influência sobre a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). Dirceu, que já teve o indicado Plínio Aguiar Júnior na presidência da agência, não conseguiu sustentar Luiz Tarcísio Teixeira no cargo de conselheiro. Ele ainda viu minguar sua influência na Caixa Econômica, com a saída de Maria Fernanda Coelho, e na Previ, com a queda de Ricardo Flores, depois de uma intensa disputa de bastidores com o Palácio do Planalto. No ano passado, Dirceu já havia perdido influência na Petrobras. A mudança no comando da estatal implicou uma ampla renovação nos quadros de direção aparelhados por Dirceu. Foi o caso da estratégica diretoria de Engenharia. A nova presidenta da estatal, Maria da Graça Foster, trocou Renato Duque por Richard Olm. Antes, porém, o ex-ministro tentou emplacar Roberto Gonçalves no cargo, sem sucesso. Ele ainda conseguiu manter posições para Wilson Santarosa e José Eduardo Dutra, mas deve perder em breve outro aliado, o diretor de recursos humanos Diego Hermanez.
A ACUSAÇÃO E A DEFESA
O ministro-relator Joaquim Barbosa (acima) já relaciona Dirceu ao valerioduto.
O advogado do petista, José Luís de Oliveira (abaixo), nega o vínculo
Diante da resistência cada vez maior no plano federal, Dirceu tem buscado alternativas regionais para garantir influência e bons negócios. Durante a crise do governo Agnelo Queiroz, no Distrito Federal, o ex-ministro emplacou Swedenberger Barbosa na Casa Civil local e Luiz Paulo Barreto na Secretaria de Planejamento. A assessoria de imprensa de Dirceu nega que o ex-ministro tenha cargos no governo e atribui a “fogo amigo” as informações de que sua condenação já é vista por ele e outros líderes petistas como fato consumado. Sua assessoria argumenta que o caso do ex-ministro é diferente do de João Paulo Cunha, o deputado petista já condenado por corrupção no julgamento do mensalão, que concorria à Prefeitura de Osasco, em São Paulo. As denúncias contra Dirceu realmente não envolvem saques de dinheiro na boca do caixa, como aconteceu com João Paulo.
Embora nesta fase do julgamento as provas contra os réus sejam basicamente testemunhais, pois não há documentos que formalizem a compra de votos, a perspectiva de condenação é concreta. O julgamento do chamado “núcleo político”, que se inicia nesta semana, é considerado fundamental para provar a existência do esquema de compra de apoio político dentro do Congresso para a votação de projetos de interesse do então governo Lula. Sob o crime de corrupção ativa, cuja pena varia de 1 a 15 anos de prisão, estão na berlinda 23 pessoas, integrantes do PT, PMDB, PP, PTB e PL, além de Dirceu. Pesa contra o ex-ministro sua relação com Marcos Valério. O publicitário mineiro, que operou com o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, confirmou em depoimento que os empréstimos para o PT foram feitos com aval de Dirceu, deu detalhes das reuniões com representantes do Banco Rural e confirmou os negócios imobiliários de Ângela Saragoça, ex-mulher de Dirceu, com Rogério Tolentino, ex-sócio do publicitário mineiro. Valério, certamente a pedido do ex-ministro, conseguiu um emprego para Ângela no banco BMG. Apesar de Dirceu negar os fatos, a ex-secretária de Valério Fernanda Karina Somaggio confirmou os contatos entre o “chefe da quadrilha” e o publicitário. Em depoimento, o ex-deputado do PP Pedro Corrêa também complicou Dirceu, ao garantir que o ex-ministro cuidava pessoalmente das negociações de transferência de recursos entre as siglas.
Os sinais de que Dirceu pode mesmo ser condenado levaram o ex-presidente Lula a convocar uma reunião de emergência na sede de seu instituto, em São Paulo. Do encontro a portas fechadas, além de Dirceu e Lula, participaram apenas o presidente do PT, Rui Falcão, o ex-ministro Márcio Tomaz Bastos e o ex-deputado e advogado Sigmaringa Seixas. O grupo avaliou todo o cenário do julgamento, repassou pontos da acusação e concluiu que as chances de condenação são reais. O grupo avaliou ainda o impacto na imagem do partido, que começa a apresentar rachas internos. E foi traçada uma estratégia de reação.
A contraofensiva ficou clara no lançamento da candidatura do substituto de João Paulo Cunha na campanha de Osasco. Falcão falou do “grande golpe” contra o partido e lançou ameaças. “Não mexam com o PT, porque quando o PT é provocado ele cresce”, disse. Em artigo publicado na internet, o coordenador da Comissão Nacional de Ética do partido, Francisco Rocha, o Rochinha, foi ainda mais enfático. Acusou o STF de acatar a denúncia do MP sem dar aos petistas o direito de ampla defesa. “Aqui entramos num ponto crucial, aquele que a Justiça chama de Ação Penal 470, que as vestais chamam de mensalão e que eu chamo de tentativa de golpe político”, escreveu Rochinha. O ataque à mais alta instância do Judiciário brasileiro foi visto por petistas mais equilibrados como um verdadeiro tiro no pé. “Não faz sentido atacar uma Corte formada majoritariamente por ministros que foram indicados pelo próprio Lula”, diz um cacique petista. Para o advogado de um dos réus, atacar o STF é contraproducente, antidemocrático, depõe contra o partido e “não ajuda em nada” numa tentativa de absolvição.
É nesse clima que o destino de Dirceu será traçado. Sua condenação, certamente, terá impacto dentro e fora do PT. Na possibilidade cada vez mais remota de ele ser absolvido, o petista ganharia uma sobrevida política e, no curto prazo, poderia voltar a dar as cartas no partido. Com a palavra, os ministros do Supremo Tribunal Federal.
Fotos: WILSON DIAS-ABR/Ag. Brasil; Nelson Jr./SCO/STF;
Fonte: Revista ISTOÉ Online
Edição: Antonio Luis
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