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A política como profissão “É correto afirmar, e a experiência histórica confirma, que o possível não teria sido alcançado se não houvesse sempre a tentativa de alcançar o impossível” (Max Weber). A crescente despolitização e descrença da população com relação às instituições políticas é uma marca de nosso tempo. As eleições diretas, antes vistas como um caminho em direção à democracia, passam a ser reduzidas ao estágio máximo de participação política permitida dentro da lógica da sociedade capitalista. Vemos, assim, um meio de disputa da hegemonia sendo transformado em objetivo final de todo o fazer político. Nesta situação, é perfeitamente compreensível que, em países onde o voto é voluntário e facultativo, como a Alemanha, os índices de abstenção venham crescendo a cada eleição, especialmente entre os jovens, o que foi confirmado nas recentes eleições para o Parlamento Europeu. A ausência de controle social dos eleitos e seu descompromisso com as promessas de campanha só tendem a reforçar a idéia da inexistência de diferenças substanciais entre os partidos políticos e a aumentar a frustração com a democracia representativa e as instituições políticas tradicionais. Como não há efetivas alternativas de mudança em jogo, é diminuído o sentido do voto e a campanha eleitoral se reduz a uma mera escolha de candidatos a um cargo político que, cada vez mais, tende a ser identificado como profissão. O contexto socioeconômico, que se acentuou ao longo da década de 90, pode ser caracterizado pela supremacia do capital e do livre mercado e pela dominação mundial do capital financeiro. Através da privatização e do desmonte social, passa a ser reforçada a idéia de que tudo é comercializável; o poder de interferência dos governos é reduzido; os países são conduzidos à aceitação do neoliberalismo e o endividamento dos Estados nacionais é crescente. Somam-se a isso o aprofundamento da concorrência e da divisão do trabalho em nível internacional, possibilitada pela padronização mundial de novas técnicas de comunicação, da oferta de mercadorias, de moedas e de línguas. A concentração do capital atinge um patamar anteriormente nunca visto, aumentando o abismo entre ricos e pobres, cujas conseqüências mais visíveis são o crescimento do desemprego e da pobreza, problemas que também atingem os assim chamados países industrializados, mas se acentuam de forma mais aguda nos países “subdesenvolvidos”. Neste contexto, a política é, talvez como nunca, subordinada à economia, os governos nacionais ficam imobilizados, como se restasse apenas uma única alternativa: a adaptação e subordinação às exigências de expansão e dominação do capital. O fatalismo passa a ocupar cada vez mais espaço nos discursos políticos e, como já afirmava César Benjamin em A opção brasileira, de sintoma de ignorância e crendice, o fatalismo passa a expressar uma forma chique, um sinal de grande erudição, não com a intenção de liquidar as alternativas existentes, mas a capacidade de pensá-las. Assim, a teoria monetarista acaba sendo afirmada como única válida no debate macroeconômico, cabendo aos governos a mera função de adequar-se às exigências dos especuladores, evitando qualquer resistência à lógica em curso, em nome da defesa da governabilidade. A própria linguagem passa a ser adaptada às normas da ditadura do mercado. Um contexto de recessão econômica, falência de empresas, perda do poder aquisitivo, desemprego massivo e aumento da pobreza passa a ser caracterizado como ambiente de “estabilidade econômica”; a passividade, imobilidade e inoperância do Estado passa a ser identificada como “governabilidade”; o desmonte social, com a modificação da legislação em favor dos interesses do capital, é identificado como um processo de “reformas”. Aliás, não é por acaso que em 2003 o termo reforma foi o mais indicado para o concurso de maior palavrão do ano na Alemanha. A manifestação do público demonstra a rejeição popular às políticas de desmonte social colocadas em curso pelo atual governo alemão e denominadas como "reformas do Estado". De um conceito central da ideologia social-democrata, originalmente relacionado à gradativa melhoria de políticas públicas e sociais, as reformas colocadas em andamento pelo partido social-democrata passaram a significar exatamente o contrário, ou seja, a desregulamentação de direitos sociais conquistados historicamente pelos trabalhadores e a gradativa retirada do Estado da economia e da prestação de serviços públicos. A democracia representativa manifesta sinais claros de esgotamento. Ao desestimular a participação, reduzindo a atividade política a um grupo de eleitos sem controle social e cada vez mais distantes das reivindicações dos cidadãos, o parlamento deixa clara sua mera função de legitimação da natureza excludente do Estado capitalista, perdendo, gradativamente, a confiança da população enquanto instrumento mediador de regulamentação das relações políticas e sociais. Além disso, como sistema de representação que deveria ser, é notável que o parlamento nunca atingiu sua função pois, numa sociedade dividida em classes, em nenhum parlamento do mundo a classe trabalhadora, majoritária na sociedade, alcançou maioria parlamentar. Pelo contrário, a maioria no parlamento representa os interesses da classe capitalista, a minoria dominante na sociedade. Neste sentido, não é novidade que a lógica do parlamento tenda a ser de conformidade com os interesses de grupos privados, de vulnerabilidade aos lobbys, ao corporativismo, à tecnocracia e, não por último, à corrupção. Afinal, a função clássica do Estado é impedir mudanças sociais e, nesse contexto, a distância dos parlamentares dos problemas sociais da maioria da população é inerente à própria lógica da política numa sociedade de classes. A frustração, impotência e desilusão da população com as instituições políticas resulta do confronto com a dura realidade dos limites da democracia representativa. A esperança de democratização do Estado desmorona na mesma proporção da desmobilização da sociedade civil, pois somente com uma mudança na correlação de forças na sociedade é possível contrapor os interesses da maioria da população à lógica repressiva e corporativa do aparato estatal. O espaço das eleições, única conquista que parece ter restado das intensas mobilizações pela democratização do Estado, mostra seus limites ao ficar dissociado da mobilização social e da possibilidade de controle dos eleitos. Ao mesmo tempo, é exatamente o espaço da mobilização e organização social, o confronto coletivo com a realidade, que permite o processo de formação da consciência política. Ao unificar movimentos sociais em torno de um projeto de sociedade comum, um partido político pode assumir a função de intelectual orgânico, proposta por Gramsci, unificando necessidades concretas de diferentes grupos com propostas políticas que venham a ser disputadas no interior da sociedade e no próprio Estado. Nesse sentido, é possível que a representação parlamentar seja usada como caminho de disputa da hegemonia na sociedade, visto que o Estado é um espaço importante na legitimação da hegemonia dominante. Entretanto, é preciso estar atento aos limites dessa disputa que é de mera representação de uma correlação de forças em curso na sociedade civil e que a lógica parlamentar tende constantemente à cooptação dos representantes eleitos, pois muda sua perspectiva de vida ao transformar a representação política em profissão. Parlamentares oriundos da classe trabalhadora adquirem o mesmo status quo dos representantes da burguesia, seja em forma de remuneração ou em influência sobre a sociedade. Os seus objetivos como representantes são, no entanto, opostos: enquanto os representantes da burguesia primam pela manutenção da lógica vigente, os representantes da classe trabalhadora, em minoria, procuram desconstruir o aparato repressivo de um espaço que eles mesmos compõem, com o objetivo de reforçar a luta pela hegemonia política na sociedade como um todo. Além de lutar contra uma maioria parlamentar burguesa pela implementação de melhorias sociais em benefício dos trabalhadores, a preocupação maior dos representantes dos trabalhadores é de construir instrumentos que permitam uma maior participação política dos trabalhadores organizados na definição de políticas em seu próprio benefício, pois só dessa forma se poderá avançar em termos de disputa de hegemonia e maior consciência política. A tarefa não é fácil: além de se contrapor à tendência confortante da acomodação ao status quo conquistado, é necessário desconstruir um espaço de poder, por si mesmo representado, para torná-lo um instrumento hegemônico exercido por aqueles do qual ele não deveria ter-se separado como ação política estranhada. O que verificamos, no entanto, é que a representação parlamentar vem seguindo cada vez mais a lógica da política como mera profissão. Diante da perda de perspectiva revolucionária por parte de muitos partidos de esquerda no mundo, o que resta a muitos parlamentares é a sua adequação à estrutura parlamentar vigente, onde o objetivo é permanecer na atividade de representação política para evitar que outros o façam. Mais do que isso: a questão está para além de mera disputa política, pois o que ocorre é que os antigos líderes, oriundos muitas vezes do próprio mundo do trabalho, burocratizaram-se e, hoje, lutam desesperadamente pela sua manutenção nos espaços estatais, pelo simples motivo de que eles não têm mais profissão no mundo da produção. É assim que sua profissão (da qual eles passam inteiramente a depender) tornou-se a política. O impressionante é constatar que essa tendência tende a ser muito mais forte quando partidos de esquerda atingem uma maioria parlamentar do que quando eram minoria e se moviam no ambiente da oposição. A descaracterização dos partidos e da função dos parlamentares andam juntas, de forma que os próprios interesses originalmente representados podem mudar de lado, com a justificativa de que isso permite a continuidade da representação. À população resta assistir a um espetáculo, em que a consciência política que movia militantes e dava sentido à representação política é dispensada pela adoção de instrumentos de marketing em nome de uma eficiência eleitoral, marcada por profissionais que, cada vez mais, se identificam com um processo, em que seu sentido e rumo já deixaram de existir. Afinal, o que é mais importante: a alternativa a implementar ou a possibilidade de poder implementá-la? O que se verifica é que, em nome do pragmatismo de conseguir implementar o possível, a alternativa pode vir a ser considerada impossível e o potencial emancipador da política se reduz a uma mera profissão.
Por ANTÔNIO INÁCIO ANDRIOLI Bolsista do EED e doutorando em Ciências Sociais na Universidade de Osnabrück – Alemanha
Fonte: Espaço Acadêmico Edição: Antonio Luis |
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